Imagem: Marilyn Monroe |
Era para ser do imaginário, qualquer coisa fugidia, fora da perceptível e dura realidade. Mas ela não se sustentava em si, nem acreditava que era capaz de se afastar aos poucos da “nuvem” (foi como passou a chamar o seu modo de pesar sobre as coisas, seu comportamento inusitado e torpe). Mas queria e sabia que podia realizar o que chamou de sua transfiguração – dera um sentido místico e sagrado a sua porta de entrada, ao seu íntimo intocável pelas mãos dos outros, pois jamais tiveram sequer qualquer controle sobre ela.
Sabia que agora estava defronte ao desconforto do acaso da novidade. Seu novo caminho era andar por um tapete limpo, intocável, imaculado – seguindo pelo seu profundo e particular misticismo – e se libertar da sua irritabilidade e instabilidade com a normalidade azul que a transpassara e a atingira em cheio,como uma prisão invisível que maltrata e sucumbe o instinto responsável pelas sutis vontades inconfessáveis. Em poucos dias estaria o mais distante possível da realidade.
(Lembrava todos àqueles momentos em que se deixava envolver em casos amorosos que surgiam como meros acasos, coincidências ou o inexplicável que costumava sugar suas energias. Tudo parecia mais algo vivo em movimento, eram mesmo seres que rolavam no ar, em todas as direções, anunciando suas presenças breves mas cada vez mais fortalecidas. Via-os, sentia-os, ignorava-os. Já não podiam conviver na mesma pessoa. Sugavam as energias dela por completo porque ela se entregava sempre ao desconhecido.)
Haveria ainda tempo para algo que não a delimitasse em amores, paixões e outros tipos de arrebatamentos? –perguntava-se ansiosamente e logo vinha a resposta: “Tudo depende da intensidade que tens pelas coisas que te cercam, pelas prioridades das suas conquistas.” Foi assim que preferiu abrir seu leque de opções de tudo o quanto fosse possível e também pudesse cair na impossibilidade de existir.
A partir daí, passaria horas ou dias de recuperação ininterrupta, imersa em pensamentos e reflexões que lhe roubariam o fôlego de noites adentro. Não haveria vinhos, conhaques ou vodcas cortantes que pudessem aliviar seu estado de sobrevivente autônoma de si mesma.
Era sua liberdade que estava em jogo e talvez pudesse alcançar também o estado da felicidade, ou descobrisse enfim que o paradoxo das suas escolhas fizesse algum sentido. Procurava uma saída, era otimista o suficiente para continuar, afinal, sempre fora a dona e senhora que respeitava o que tinha diante de si e da vida que levava, não importava onde estivesse. Agora teria que mudar - sem pausas ou interrupções- era sua necessidade real que dependia da sua criação interior. Passou então a conhecer outros seres que começaram a pousar lentamente e se demorar mais para irem embora. Não se conhecia a ponto de saber suas estadas em outros ambientes, mas podia sentir e visualizar marcas gravadas em sua pele que contavam suas histórias, narrações entrecortadas, gradações de desfechos que em nada poderiam enganar uma essência tão convicta do que era capaz, mas que não pudera jamais revelar parte do que fora, não ousaria desfilar seus atos como os atores em uma peça teatral. Talvez tudo fosse articulado num grande palco, mas sabia que existia doses de ilusões e realidades que persistiam gravados numa teia montada para suportar a melodia que acompanha os tangos e tragédias.
Nem seus pés aparentemente no chão davam conta de tocar em frente o que estava por vir, era o momento que chegava - o transeunte perdido no espaço - que mais lhe importava. Precisava estar sempre diante do irretocável presente, com os pés sentindo o chão que pisava. Necessitava sobretudo da ocasião inescapável.