Pola Oloixarac

Pola Oloixarac

A escritora argentina, Pola Oloixarac, atualmente vive em São Francisco, onde trabalha na divulgação de seu livro As Teorias Selvagens (Benvirá), recentemente traduzido para o inglês por Roy Kesey. Desde 2011 Pola conquistou espaço entre os leitores brasileiros quando veio ao Rio de Janeiro, convidada da FLIP (Feira Internacional do Livro de Parati), alcançando notoriedade pelo estilo de seu romance. A obra inaugural de Pola é uma sátira contemporânea que possui uma trama bem tecida, e envereda num sagaz tom ensaístico que utiliza humor e ironia para criticar assuntos que transitam desde o mundo geek à política e filosofia. A escritora privilegia as plataformas virtuais como cenários do desenvolvimento de suas personagens, levando ao cerne da história a imediata alteração que as mídias digitais são capazes de operar nas configurações humanas. Os universos virtuais persistem no trajeto literário da escritora, e retornam em seu segundo romance, Las constelaciones oscuras (ainda sem tradução no Brasil), uma bela ficção científica que revela uma escrita séria, concentrada e poeticamente trabalhada. 

 

Lia Leite ENTREVISTA POLA OLOIXARAC

 

R.P.: Atualmente você está morando nos EUA e divulgando a tradução para o inglês de As teorias selvagens. Como está sendo a recepção do seu trabalho fora da América Latina?

Pola: Es muito engraçado. En USA soy una “escritora de color”. Integro listas junto a otras “escritoras de color”, coreanas, nigerianas, mexicanas. Aporto “diversidad”. Lo que diga se entiende desde mi experiencia de “mujer de color”. El libro ya había sido traducido en territórios europeos pero la traducción al inglés demoró bastante tiempo, no es un libro sencillo de traducir. La traducción de Roy Kesey es fascinante, él es un novelista americano, es increíble lo que hizo con el libro.

 

É muito engraçado. Nos EUA sou uma “escritora de cor”. Integro listas junto a outras “escritoras de cor”, coreanas, nigerianas, mexicanas. Acrescento “diversidade”. O que quer que eu diga se entende desde minha experiência de “mulher de cor”. O livro já havia sido traduzido em territórios europeus, porém a tradução ao inglês demorou bastante tempo, não é um livro fácil de traduzir. A tradução de Roy Kesey é fascinante, ele é um romancista americano, é incrível o que fez com o livro.

 

R.P.: Vivenciando as novas políticas de imigração e o governo Trump, o que você considera mais preocupante na situação política atual?

 

Pola: Te voy a contar una historia. En 1942 Perón (un populista) metió en la cárcel a Victoria Ocampo, una escritora, editora y lo que sería en nuestra época una “activista de la cultura”. La puso en una cárcel para prostitutas, El Buen Pastor, para que la humillación fuera profunda. (A Borges, por su parte, lo echaron de su puesto en la Biblioteca Nacional y lo nombraron “Inspector de Aves y Conejos”.) En la cárcel, Victoria Ocampo escribió en su diario una plegaria donde agradece a Dios. Dice algo así como “Gracias Dios porque al fin vivo en la verdad, porque estar en la cárcel es estar en la verdad.” Del mismo modo, yo creo que Trump en la presidencia de USA es vivir en la verdad, la verdad de Estados Unidos. Es un país tan profundamente racista que ni cuando son racistas se dan cuenta de que están siendo racistas. Es tan racista que es possible ser racista “in a good way”.

 

Vou contar uma história. Em 1942 Perón (um populista) colocou na prisão Victoria Ocampo, uma escritora, editora e o que seria em nossa época uma “ativista da cultura”. Ele a pôs numa prisão para prostitutas, O Bom Pastor, para que a humilhação fosse profunda (a Borges, por sua vez, tiraram-no de seu posto na Biblioteca Nacional e o nomearam “Inspetor de Aves e Coelhos”). Na prisão, Victoria Ocampo escreveu em seu diário uma prece em que agradece a Deus. Diz algo assim como “Graças a Deus porque no fim vivo na verdade, porque estar na prisão é estar na verdade”. Do mesmo modo, eu acredito que Trump na presidência dos EUA é viver na verdade, a verdade dos Estados Unidos. É um país tão profundamente racista que nem quando são racistas se dão conta de que estão sendo racistas. É tão racista que é possível ser racista “in a good way”.

 

R.P.: Em As teorias selvagens a busca da construção identitária passa pelos jogos de linguagem, moldando pensamentos políticos e até comportamentos sexuais. Como você vê a possível ligação entre os seus personagens e o esvaziamento do discurso ideológico do sujeito de nossa época?

Pola.: Como señala Žižek, la ideología nos atraviesa absolutamente, constantemente. Mis personajes están obsesionados con las gradaciones sutiles de la superioridad. Esa clase de goce es profundamente ideológica, donde la clase social está desplazada por la clase intelectual. La ideología no se restringe a un discurso político, está dentro de cada acción de los personajes. Vivimos en una época de pasiones miméticas, donde nos obsesionamos con lo que nos distingue de los otros y a la vez nos copiamos unos a otros con frenesí. Eso es ideología pura, expresada en la sensación de que nuestra vida es un commodity –puede diferenciarse para ganar más valor a ojos de los demás, puede sumar herramientas de marketing, pero esencialmente es idéntica a los demás.

Como assinala Žižek, a ideologia nos atravessa absolutamente, constantemente. Meus personagens estão obcecados com as gradações sutis da superioridade. Essa espécie de gozo é profundamente ideológica, em que a classe social está deslocada pela classe intelectual. A ideologia não se restringe a um discurso político, está dentro de cada ação dos personagens. Vivemos numa época de paixões miméticas, em que nos obcecamos com o que nos distingue dos outros e ao mesmo tempo copiamos uns aos outros com frenesi. Isso é ideologia pura, expressada na sensação de que nossa vida é um commodity – pode diferenciar-se para ganhar mais valor aos olhos dos demais, pode somar ferramentas de marketing, porém essencialmente é idêntica às demais.

 

R.P.: No romance há críticas com relação à esquerda que alcança posições de poder, apesar de sua formação intelectual ser de esquerda. Conte-nos sobre essa postura.

Pola: La aventura de las izquierdas latino-americanas ha sido medíocre en el siglo XXI. Recuerdo la ilusión que nos provocaba Lula da Silva en Argentina alrededor de 2005 o 2007, la ilusión con la que se vivió el primer gobierno de Nestor Kirchner en esos años. Diez años después quedó claro que eran gobiernos que no supieron dejar un legado de crecimiento, cuyo poder colapsó apenas terminó el boom de los commodities. Tenían todo el viento a favor para hacer crecer a sus países pero prefirieron pasar de la acción al discurso, en lugar del discurso a la acción. Su legado es discursivo, ligado a la importância de redistribuir, cuando ellos no redistrbuyeron, o a la importância de la autodeterminación soberana, cuando volvieron a sus pueblos más vulnerables a la corrupción y comprometieron el futuro de generaciones.

 

A aventura das esquerdas latino-americanas tem sido medíocre no século XXI. Recordo a ilusão que nos provocava Lula da Silva na Argentina por volta de 2005 ou 2007, a ilusão com a qual se viveu o primeiro governo de Nestor Kirchner nesses anos. Dez anos depois ficou claro que eram governos que não souberam deixar um legado de crescimento, cujo poder colapsou mal terminado o boom dos commodities. Tinham todo o vento a favor para fazer crescer seus países, porém preferiram passar da ação ao discurso, em lugar do discurso à ação. Seu legado é discursivo, ligado à importância de redistribuir, quando eles não redistribuíram, ou à importância da autodeterminação soberana, quando tornaram seus povos mais vulneráveis à corrupção e comprometeram o futuro de gerações.

 

R.P.: Em Las constelaciones oscuras, na voz do personagem Niklas você escreve “jamás hay presencia de personas, de nada que pueda semejar una relación personal” (p. 136). As relações humanas na era digital são um tema recorrente de sua obra: como você percebe a solidão numa época em que todos estão “conectados”?

Pola: La soledad es un lujo raro, una suerte de aristocracia del alma. Estamos apabullados de presencias, en un caleidoscópio de cercanias y ausências. Tenemos mas formas de medir el interes que generamos y eso es el chicle de morfina que todos mastican.

 

A solidão é um luxo raro, uma espécie de aristocracia da alma. Estamos sobrecarregados de presenças, num caleidoscópio de proximidades e ausências. Temos mais formas de medir o interesse que geramos e isso é o chiclete de morfina que todos mastigam.

 

R.P.: Alguns autores comparam o trabalho científico com o DNA humano presente em Las Constelaciones... tão pessimista quanto a criação do Frankenstein, de Mary Shelley. Você buscou inspiração em alguma distopia (Huxley, Orwell) para escrever a parte futurística de seu segundo romance?

Pola: Siempre estamos hablando del fin del mundo, está en todas partes. Como disse Boris Groys, sufrimos de cosmo-ansiedad. Si en el siglo XIX las novelas hablaban de héroes insertos en un contexto social complejo que los explicaba y les daba sentido, ahora descubrimos que los personajes están en un universo entrópico condenado a la destrucción. Todos los periódicos nos hablan del fin del mundo todo el tempo. Las noticias de extinciones de espécies son habituales, como los ataques terroristas o los reportes de catástrofes por el cambio climático. La distopia es el sabor de nuestra época, y no se parece a las distopias clássicas del mundo anglosajón.

 

Sempre estamos falando do fim do mundo, está em todas as partes. Como disse Boris Groys, sofremos de cosmo-ansiedade. Se no século XIX os romances falavam de heróis incertos em um contexto social complexo que os explicava e lhes dava sentido, agora descobrimos que os personagens estão em um universo entrópico condenado à destruição. Todos os periódicos nos falam do fim do mundo o tempo todo. As noticias de extinções de espécies são habituais, como os ataques terroristas ou as notícias de catástrofes devidas à mudança climática. A distopia é o sabor de nossa época, e não se parece com as distopias clássicas do mundo anglo-saxão.

 

R.P.: No romance, a mistura entre Brasil e Argentina dá luz a um dos personagens principais. Fale um pouco sobre a sua relação com o nosso país.

Pola:  Me fascina Brasil, es un planeta en si mismo. En la bandera misma hay un planeta azul. Me fascina Brasil como si fuera un Oriente, donde todo lo extraño, lo fuera de lugar puede habitarlo. Ese vértigo se vuelve más profundo al tratarse de un país tan cercano, que Brasil se vuelve un locus sinónimo del placer y la perdición. Cassio, uno de los personajes, es hijo de una seducción playera entre una argentina y un brasileiro en los años 80. Para mí, Brasil y Argentina conforman el espíritu de nostro tempo.

 

O Brasil me fascina, é um planeta em si mesmo. Na própria bandeira há um planeta azul. O Brasil me fascina como se fosse um Oriente, em que todo o estranho, o fora de lugar pode habitar. Essa vertigem se torna mais profunda ao tratar-se de um país tão próximo, daí que o Brasil se torne um locus sinônimo de prazer e perdição. Cassio, um dos personagens, é filho de um “amor de verão” entre uma argentina e um brasileiro nos anos 80. Para mim, Brasil e Argentina conformam o espírito de nosso tempo.

 

R.P.: Buenos Aires é a cidade com mais livrarias per capita do mundo. Com base na situação do mercado do livro e edições digitais, você tem algum palpite de como será no futuro?

Pola: Tuve Kindle, y durante un tempo lo use, seducida por la practicidad de tener vários libros ahi dentro. Pero me di cuenta de que la experiência de lectura que me ofrecia era muy pobre, porque no recordaba nada. Era pura informacion, letras unas atrás de otras. No hay placer en el Kindle. La informacion pasaba a traves de mi como un fantasma. Asi que lo arroje bien lejos, y solo compro libros. Es una tecnologia incomparable, por ejemplo te podes quedar dormida leyendo y el libro se apoyará gentilmente en tu pecho, no como Kindle, que te golpea la cara.

 

Tive um Kindle, e durante um tempo eu o usei, seduzida pela praticidade de ter vários livros ali dentro. Mas me dei conta de que a experiência de leitura que me oferecia era muito pobre, porque não recordava nada. Era pura informação, letras umas atrás de outras. Não há prazer no Kindle. A informação passava através de mim como um fantasma. Então eu o joguei bem longe, e só compro livros. É uma tecnologia incomparável: por exemplo, você pode adormecer lendo e o livro se apoiará gentilmente no seu peito, não como o Kindle, que lhe golpeia a cara.

 

R.P.: Quais influências em sua vida você citaria como resultantes de quem você é hoje?

 

Pola: El nacimiento de mi hijita Asia Rose, que ahora tiene 5 meses.

O nascimento de minha filhinha Asia Rose, que agora tem 5 meses.

 

R.P.: O que você está lendo?

Pola: Seven days in the art world, de Sara Thornton. Es un libro muy divertido, una exploracion del mundo del arte contemporâneo en torno a las comunidades que lo componen, el mundo de las ferias, el mundo de los curadores, etc. Tambien estoy leyendo The corn Wolf, de un antropólogo americano, Taussig. Una novela, Paris y el ódio de Matias Alinovi. Y los ensayos de Como ser malos, de Gonzalo Garcés, un escritor argentino muy audaz, muy inteligente.

 

Seven days in the art world, de Sara Thornton. É um livro muito divertido, uma exploração do mundo da arte contemporânea em torno das comunidades que o compõem, o mundo das feiras, o mundo dos curadores, etc. Também estou lendo The corn Wolf, de um antropólogo americano, Taussig. Um romance, Paris y el ódio, de Matias Alinovi. E os ensaios de Como ser malos, de Gonzalo Garcés, um escritor argentino bem audaz, bem inteligente.

por Lia Leite.

 

Fonte: Revista Propulsão

www.revistapropulsao.com/polaoloixarac

 

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