"Foi uma tremenda derrapada da imprensa", diz Marcio Campos, autor de livro sobre o Caso Eloá
Há quase dois meses - em 13/11 - começava um sequestro na cidade de Santo André, região metropolitana de São Paulo (SP), que dias depois terminaria com a morte da jovem Eloá Pimentel, de 15 anos, assassinada pelo ex-namorado, Lindemberg Alves, 22.
O caso, que seria mais um dos milhares crimes passionais que acontecem por ano no Brasil, tornou-se uma tragédia nacional e um case a ser estudado se levada em conta a desastrada participação da mídia, que insistiu em interferir na ação policial entrevistando, por vezes consecutivas, o seqüestrador.
Ainda sob o calor da polêmica, em meio a discussões acaloradas de Comissões da Câmara dos Deputados, e de um pedido da indenização do Ministério Público à Rede TV! (a primeira a entrevistar Lindemberg ao vivo), o jornalista Marcio Campos, da Band - que cobriu o caso pela emissora - assina o primeiro livro a ser publicado sobre o tema, através da Editora Landscape: "A tragédia de Eloá - Uma sucessão de erros", lançado nesta esta quarta-feira (10), na Livraria Saraiva, localizada no Shopping Morumbi, em São Paulo (SP).
De acordo com o jornalista, o livro - escrito em oito dias - não se propõe a analisar profundamente o caso, mas a levar informação a todos os que acompanharam o decorrer dos acontecimentos, para que haja a possibilidade de uma reflexão mais profunda da sociedade sobre o tema. Acompanhe a entrevista.
IMPRENSA - O seqüestro da Eloá Pimentel acabou há menos de dois meses. A história está viva ainda na cabeça da população. Não há o risco de que o projeto, e seus participantes - você e a editora - sejam considerados oportunistas?
Marcio Campos - Fui convidado pela Editora Landscape para escrever esse livro. Ninguém é ingênuo de achar que as empresas são somente idealistas. É claro todas têm programas idealistas, mas elas têm que pagar suas contas. Falando por mim, me sinto honrado em ter sido convidado para escrever esse livro. Há muitos jornalistas que têm livros na gaveta há anos e não conseguem publicar, não tem editora. No meu caso, fui convidado a escrever.
Se algum crítico, alguém me achar oportunista, vou classificar como hipocrisia, por que imagino que muita gente gostaria de ter recebido o convite que recebi. Acho que vai ter muito oportunista aproveitando o lançamento do livro para se promover em cima de críticas.
O fato é que, no Brasil, não existe a cultura dos livros publicados no calor dos acontecimentos. Nos Estados Unidos, por exemplo, isso é normal. Veja só o número de livros publicados sobre o Barack Obama, na época das eleições presidenciais.
IMPRENSA - Em quais circunstâncias aconteceu o convite da Editora? Você pensou em recusar?
Marcio - O diretor comercial da Editora entrou em contato comigo. Nós não nos conhecíamos. Ele me disse que havia acompanhado meu trabalho pela TV, que havia me visto passando informações sobre o Caso Eloá e que havia gostado do meu trabalho. Ele conseguiu falar comigo em um dia à tarde e me convidou para jantar naquele dia. Durante o jantar, ele me apresentou a proposta para escrever o livro.
IMPRENSA - Qual foi sua reação ao convite?
Campos - Pedi a ele um tempo para pensar no assunto, mas logo ele me disse que não tinha tempo para dar, já que se tratava de um projeto rápido. Então, fui para casa com a proposta na cabeça, conversei com minha esposa, que também é jornalista, e acabei decidindo por fazer. Em casa, sou o lado emocional, ela é o racional. Juntamos tudo, fizemos a média e, no final, a decisão foi essa.
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Capa do livro |
Campos - Estabeleceu sim. Depois de ter aceito o convite, tinha cerca de oito dias para entregar todo o texto para que fosse viável à editora o lançamento ainda neste ano. O fato é que eu não podia tirar licença da Band para escrever porque o projeto era sigiloso. Uma das exigências da editora foi que eu trabalhasse no mais absoluto sigilo. Até por questão de espionagem. Outra empresa poderia abraçar a idéia com outro autor. Então não deixei de trabalhar, continuei na minha rotina normal, mas em qualquer horário livre, estava escrevendo, pesquisando. A única coisa que fiz, foi pedir para que minha esposa viajasse com minha filha (ela tem apenas quatro anos), para que eu tivesse as noites livres para trabalhar. Então, tive quatro noites consecutivas para trabalhar em casa.
IMPRENSA - Você nem chegou a tentar uma dispensa da Band?
Campos - Nem pedi porque teria que explicar o motivo da licença. Ao dizer que estaria escrevendo um livro, teria que dizer qual, aí não conseguiria manter o sigilo pretendido. Então, usava qualquer brecha para escrever, pesquisar, assistir as matérias das demais emissoras e redigir os textos.
IMPRENSA - Como você fez para assistir as matérias e as entradas ao vivo das demais emissoras? Arquivos, YouTube?
Campos - Acabei assistindo todas as emissoras usando uma ferramenta da própria Band, que permite acessar a programação das emissoras, até simultaneamente, na data e horário que escolhermos. Aí, assisti tudo o que todos os canais passaram. Essa ferramenta foi fundamental para o meu trabalho.
IMPRENSA - O livro não se propõe a analisar o caso, dado o pouco tempo que se teve para escrever e também pelo fato de o caso ainda não ter acabado...
Campos - O livro se propõe a ser uma ferramenta que leve informação, que mostre exatamente tudo o que aconteceu no seqüestro. Trata-se de uma ferramenta para discussão, para análise, já que, na minha opinião, todos deveriam refletir bastante sobre o caso, tanto as famílias, quanto os órgãos de segurança pública e, claro, a imprensa. As redações precisam discutir, as faculdades precisam discutir. Os pais devem refletir a convivência e o diálogo com os filhos adolescentes.
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Marcio Campos, da Band |
Campos - Acho que foi um erro enorme. No caso da entrevista, a primeira, falava-se em furo. Não vejo isso como um furo, mas como uma tremenda derrapada da imprensa. Nesse caso, a mídia ultrapassou os limites. Durante uma crise, ninguém deve interferir, muito menos a imprensa. Nós, na Band, tínhamos os dois telefones, mas não ligamos. O próprio Coronel responsável pelo caso classificou a entrevista como um "desserviço", já que havia um acordo com Lindemberg em que ele se entregaria logo após o almoço do dia 15/11. Depois das entrevistas, ele recuou e manteve Eloá refém.
É o reflexo na concorrência desenfreada que se vê na mídia brasileira, que vem gerando prejuízos aos cidadãos.
IMPRENSA - O que, na sua opinião, fez do Caso Eloá, um namoro mal resolvido, se transformar em uma tragédia de alcance nacional?
Campos - Acho que a incompetência em administrar uma crise faz com que ela se torne cada vez maior. Isso em qualquer crise. Juntou-se uma série de fatores à incompetência de diversos agentes da gestão da crise, por isso o caso cresceu tanto.
Serviço
A tragédia de Eloá - Uma sucessão de erros
Autor: Marcio Campos
Editora: Landscape
Páginas:112
Preço: R$ 21,90
Fonte: Portal Imprensa, Por Thaís Naldoni/Redação Portal IMPRENSA